segunda-feira, 4 de abril de 2011

O Exemplo de John

Demorei muito tempo para retornar ao blog, eu sei. É que estive envolvido em várias outras criações off-line. Vou voltar ao conceito de Antropomática, mas retomando pelo exemplo de Buchanan.
Na manhã seguinte, que era sábado, saí cedo de casa, indo diretamente para a casa de meu amigo americano. Tomei café com ele, e logo estávamos na sua caminhonete, rumo ao bairro do Farol, onde se situava o maior supermercado existente em Maceió em 1972: o Ceia. No estacionamento do supermercado havia um pequeno quiosque, onde se vendia uma variedade básica de lanches. John estacionou sua pick-up mais adiante, colocando-a de costas para a porta do supermercado, e eu compreendi que era para facilitar a colocação das compras, que ainda íamos fazer. Depois fomos para o quiosque, onde nos sentamos em volta de uma das duas mesinhas metálicas existentes, e ele pediu ao garçon três sorvetes. Então, disse:
"Minha filha já está acostumada, e vem treinando diligentemente, e, se você não quiser ficar para trás, é bom aprender também. Antropos, do grego, significa humano, daí, "filantropo", que significa "Amante", filo, e "Antropo" humano, ou seja "aquele que ama os seres humanos". Então, eu forjei este termo, ligando "humano", com "método", ou "rotina", que, no grego, é "matis", ou pode se expressar, "mática", para representar o método "em ação". Daí, por exemplo, temos "gramática", de "grama", que é o resultado de "graphos", isto é, o "ato de gravar", que também se pode dizer "grafar", que usamos na grafia, e o sufixo "mática", que é o método, ou seja, há um método estabelecido, combinado, aceito e praticado, de se gravar as palávras, em uma determinada língua. Este método é chamado gra(fo)mática; resumindo: gramática. É uma regra claramente estabelecida, de modo que, ao se escrever de forma diferente da regra, comete-se um "erro gráfico", porque fugiu-se da convenção. Por exemplo, se todo mundo escrevesse do jeito que bem entende, ninguém conseguiria compreender os textos dos outros, e seria um caos. Para isso, existem as regras, os padrões. Dá-se o mesmo com a "Matemática", a "Cartografia", a "Geografia", enfim, com todas as atividades convencionadas num padrão. Então, eu criei o termo Antropomática, como "método do ser humano", com a ideia de definir um padrão metodológico que permita a qualquer pessoa, com o devido conhecimento, e o diligente treinamento e prática, desenvolver suas atividades com agilidade, rapidez e precisão. Isso significa, na prática, economia de tempo, de energia pessoal, que é o esforço, da energia das máquinas utilizadas no trabalho, com redução de possibilidades de erros, e, em última análise, de custos financeiros. Quanto mais ágil você se tornar, numa profissão, ou numa prática qualquer, mais rapidamente vai agir, sem cansaço, menos vai errar, melhor vai ser notado por seu colegas e superiores de trabalho. Todos os grandes artistas da História praticavam incansavelmente seu ofício ou arte, de modo a chegarem o mais perto possível da perfeição, e foi essa busca da perfeição que lhes garantiu lugar na História, e na memória da Humanidade, percorrendo, com sua fama, todas as regiões do nosso mundo, e todas as épocas, até a atual. Desde Platão até Einstein, ou, mais recentemente, os mais considerados expoentes do conhecimento, todos têm por traço comum a busca da perfeição em suas ações, e isso se consegue com os hábitos corretos.
Vou lhe contar um fato do meu tempo de marujo:
Eu e mais quatorze soldados fomos conduzidos até o cais, onde os outros marujos de nossa companhia tinham arrumado umas caixas, uns kits e material de sapa, a ser levados para a guerra, pelos componentes de um cruzador. Eram quinze mil kits, agrupados em pilhas de mil, sendo a base de cada pilha, de dez por dez, com dez kits sobre cada caixa, num volume de 10 x 10 x 10, que totalizava 1.000.
O suboficial que comandava o pelotão mandou que cada um de nós carregasse os kits de uma das pilhas, uma pilha para cada homem, e colocasse todas as caixas sobre estrados numerados, já instalados dentro de um grande galpão, no porto. Para não ser injusto, ele sorteou os soldados, mandando um para cada pilha de kits. O último lote, de nº. 15, ficou sobrando. A ordem era: 'o primeiro que transferir todos os kits de sua pilha para dentro do trapiche, colocando-os na ordem correta, será dispensado do serviço, e terá o dia seguinte de folga. O último, ficará encarregado ainda da pilha 15, como punição.' Eu fui sorteado com o número 13, o penúltimo dos lotes válidos. Cada soldado, ao ouvir seu número de guerra, saía de forma e corria diretamente para sua pilha de kits. Eu fiz diferente. Ao ser chamado, saí andando, e fui diretamente para dentro do trapiche, para identificar o local marcado com o número 13. Então, contiuei andando, até a pilha 13. Caminhei com relativa pressa, contando os passos. O sargento gritava comigo, prometendo me dar um castigo extra, quando eu chegasse com meu kit. Enquanto eu ainda estava indo para minha pilha de kits, outros grumetes já vinham correndo, com suas caixas na mão, na direção do trapiche. Chegando na pilha, contornei-a e peguei o kit mais alto do ângulo oposto à direção da porta do trapiche.
Sem correr, fui contando os passos até chegar a um quarto do total de passos que eu tinha medido, desde o estrado até a pilha, e ali depositei a caixa de madeira, que pesava o equivalente a uns vinte quilogramas. Retornei à pilha e trouxe outra. O sargento e os dois cabos auxiliares gritavam furiosos comigo, dizendo que eu estava enrolando. Antes que eu terminasse de empilhar os kits naquela posição, a 1/4 da distância, alguns soldados já começavam a dar sinais de cansaço, e não corriam mais, apenas andando apressados, com seus kits nas mãos. Quando chegou meu último kit, passei diretamente pela nova pilha, e segui adiante, sempre contando os passos, e comecei a fazer nova pilha, na exata metade da pilha original. A partir daí, eu não precisava ir mais até o lugar da pilha original, quase na extremidade do cais, como meus colegas faziam. Continuei a empilhar as caixas, na meia-distância, na ordem inversa à que foram colocadas por mim, de modo que, ao final, estariam na mesma posição inicial. Depois, fiz uma terceira pilha de kits, a três quartos da distância, já bastante perto da porta do trapiche. Ao final, percorri distância menor ainda, até o estrado número 13, bem no fundo do armazém. Quando terminei, nem mesmo o encarregado da pilha nº. 1, a que ficava mais perto do depósito, tinha terminado sua pilha. Furioso, o sargento veio conferir meus kits, e verificou que estavam precisamente na mesma ordem numérica, pelos números de série, em que estiveram na sua posição inicial. Ele não teve outro remédio que o de me dispensar. Antes do meio-dia eu já estava na praça, com o uniforme de passeio, cortejando as mocinhas, enquanto todos os outros continuaram no pier, até o anoitecer.
Podem ver que eu fiz o processo básico: 0,9 % de ideia, saber o que teria que fazer, que era transportar a pilha de materiais; 90 % de elaboração - enquanto o sargento gritava as ordens, antes de começar o sorteio, eu já buscava o meio menos cansativo e mais ágil de realizar a tarefa; e 9 % de ação, que foi o transporte em si, sem cansaço, sem correria, sem acidentes, nem esbarrões, nem tropeções, e no menor tempo."
Minha namorada, filha do velho marinheiro, já estava acostumada com aquela narrativa, mas eu estava muito admirado.
"Bom... Agora, vamos para o nosso pequeno exercício!", disse John Buchanan.

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