sexta-feira, 19 de março de 2010

3 em 1

Desde criança tenho procurado (como muita gente) uma definição, ou, pelo menos, uma descrição de "Ser Humano". O que é uma pessoa?
Li a Bíblia, por inteiro, algumas vezes. A primeira vez foi a mais fácil, pois foi uma leitura feita na empolgação, com muita fome de chegar ao final, mesmo que não compreendesse muita coisa. Mas foi precisamente aquela primeira leitura a que mais aproveitei, assim como a primeira namorada é a que mais saboreamos. Talvez por não estar com a mente tão contaminada por doutrinas diversas, por ser uma mero curioso, ou aprendiz, eu gravei na minha mente mais imagens, situações e conceitos, do que em todas as vezes posteriores. Isso aconteceu em 1969/1970, eu tinha 12/13 anos, e estava passando do último ano do primário para o primeiro ano do ginásio... e tinha ficado muito chocado com "coisas" que eu via na igreja "N. Sa. do Perpétuo Socorro", que não condiziam com as aulas que eu recebia do catecismo.
Claro, pela minha idade, eu estava "atrasado" para a 1ª Comunhão, e por isso era catecúmeno.
Mas algumas coisas não condiziam e eu achei que tinha que escolher uma definição de religião, uma sequência doutrinária e comportamental que me inserisse em um padrão social.
E achei que seria mais seguro se tomasse por ponto de partida o cristianismo, no qual estava hereditariamente inserido. E tal doutrina tinha como fundamento a Bíblia. Então, tomei um exemplar que tinha lá em casa, da tradução de João Ferreira de Almeida, e a "devorei", entre os meses de setembro e abril. De manhã, à tarde e à noite, eu era visto concentrado na leitura daquela fascinante compilação de escrituras antigas.
Ao terminar a leitura, com a cabeça cheia de ideias e imagens, para não perder o pique, mergulhei na Divina Comédia, de Dante, aprofundando-me numa edição especial, que meu pai tinha adquirido, e que impressionava muito. Eram cinco volumes grossos, de capa dura cor de vinho e títulos dourados, com o texto em versos, em italiano, e a tradução, nas páginas direitas, de cada estrofe, em prosa, com explicações e notas de rodapé. Uma riqueza sem tamanho! Impressionantes também eram as gravuras, em clichê, no estilo renascentista, que aumentavam ainda mais o pavor que o texto procurava imprimir, nos 24 cantos do Inferno, e o êxtase, na passagem do Paraíso. As imagens do Inferno e do Purgatório chegavam a abalar-me, durante o sono, principalmente quando, naqueles dias, durante as férias, um colega meu morreu afogado no Rio Guaporé e eu fui ao seu velório. O corpo, encontrado dois dias depois de seu desaparecimento, boiando nas águas, perto da cachoeira, estava deformado, muito inchado, com as pontas do nariz roídas pelos peixes, e aquela imagem, de um colega que, dias antes, era um menino ativo e alegre, apelidado de "meio-quilo", por causa de sua magreza, agora estava muito diferente, e meu subconsciente a associava às monstruosas ilustrações do Inferno dantesco.
Depois da "Comédia", li um livrinho grosso, no formato de bolso, da Edições de Ouro: "A História das Religiões". Era um apanhado geral, com a história e os fundamentos do judaísmo, do budismo, hinduísmo, catolicismo, protestantismo, neo-protestantismo, para-protestantismo, espiritismo africano e cardecista. Sua análise fria, isenta, que não tencionava converter ninguém, foi de muita ajuda. Depois li, por empréstimo de um colega, que era adepto daquela doutrina, "O Evangelho Segundo O Espiritismo" e "O Livro Dos Espíritos". Foi uma leitura longa, pois a Bíblia era frequentemente citada, e eu me via obrigado a confrontar as duas fontes. Isso aconteceu em Maceió, em 1972/73. Devo dizer que, antes da mudança de minha família, de Rondônia para Alagoas (Fev/71), eu tinha deixado de frequentar a igreja católica e passei algum tempo frequentando a igreja batista. Em Maceió, voltei a frequentar as duas, simultaneamente, e, por influência de meu colega, fui também a várias reuniões de "mesa branca" e reuniões doutrinárias do cardecismo. Mas não assumia a adesão a nenhuma daquelas diferentes seitas. Voltando para Rondônia, tomei conhecimento da igreja presbiteriana, que eu já sabia, pela leitura da Ediouro, que era uma das quatro doutrinas chamadas "protestantes", criada por influência de Calvino.
Eu tinha uma ideia básica do que seria o ser humano, "criado à imagem e semelhança de seu Criador". E o Criador era representado, no cristianismo, como uma pessoa em três pessoas. Vi que as três Pessoas de Deus representam três pessoas intrínsecas da pessoa Humana: Deus Pai, Criador, ligado diretamente à Natureza, ao Universo Físico, Tridimensional. A Criação, conforme descrita na Bíblia, evoca intensamente a figura paterna, do Deus Criador, que faz tudo conforme sua própria vontade, com autonomia e autoridade, de acordo com Seu gosto. A outra figura de Deus, o Filho, é uma figura tremendamente humana, sensível, amorosa, sofredora, compassiva, que reinterpreta as leis divinas pela ótica do amor e do perdão, e se deixa imolar em expiação pelas falhas da Humanidade. A terceira pessoa, o Espírito, é o paráclito, o racional, o pedaço de Deus que dá aos homens a razão, o sentido, a capacidade de análise e julgamento.
Notei que essa tríplice personalidade divina também está no Homem, que é físico, com as limitações do corpo, e sujeito às leis da Natureza, percebidas pelos cinco sentidos básicos; é emocional e emotivo, e de seus medos e desejos derivam muitas das suas capacidades; e é racional, o suficiente para subjugar as forças da natureza, na medida do possível, tornando sua vida mais fácil, segura e produtiva.
E era isso o que eu buscava, desde a infância: tornar-me um ser capaz de pensar, sentir e agir equilibradamente, integrando as três características de meu ser, de modo a não me cansar demasiadamente, nem me deixar abalar emocionalmente com facilidade, e aproveitar o máximo da natureza em meu favor.
Posteriormente, descobri que vários pensadores modernos também definem o Homem da mesma forma: Freud define Homem com um ser que possui, em si, um Id, um Ego e um Superego, e assim estruturou a Psicanálise; Swoboda e Fletsch descobriram o Biorritmo, verificando que nosso organismo tem períodos regulares de maior e menor capacidades física, emocional e intelectual; Eric Berne também percebeu que a personalidade humana tem seu Ego Pai (Criador, natural, físico), seu Ego Adulto (racional, paráclito, lógico) e seu Ego Criança (sentimental, sensível, emotivo e intuitivo), e que as três pessoas do Ego mudam de estado constantemente, em relação a sua interação e transação com outras pessoas e com o próprio ambiente, podendo, em um momento, exercer um Estado do Ego Pai, ou o Estado do Ego Adulto, ou, ainda, o seu estado do Ego Criança, como comandante de suas ações e de suas relações; a ciência criada por Berne, chamada Análise Transacional, ainda compreende que os estados do Ego podem estar evocados de maneira positiva (OK) ou negativa (Não-OK), e que podem mudar, de pessoas para pessoa, de momento para momento, ou com relação à ocasião, ao ambiente ou ao contexto. Mais recentemente, outros estudiosos, Binder e Grandler, criaram uma nova filosofia, a que chamam de Programação Neuroliguística, que consiste numa nova maneira de compreender e administrar as relações da pessoa com outras pessoas, com o ambiente, ou consigo mesma, compreendendo que a personalidade está diretamente lincada ao seu canal preferido de comunicação: Visual, Auditivo ou Cinestésico. As pessoas Visuais tendem a ser mais perceptivas, emotivas e espirituosas, e se impõem no ambiente pela apresentação visual (vestuário, iluminação, maquiagem, perfume, etc.); A pessoal Auditiva, costuma era mais racional, atenta às palavras e aos sentidos não percebidos pelos olhos, tornando-se críticas e argutas, com boa capacidade de análise fria e isenta; As pessoas cinestésicas, por seu lado, são mais ativas, trabalhadoras, e ao mesmo tampo calorosas, sensuais, mas não necessariamente emotivas, e utilizam bastante os gestos e movimentos corporais em sua comunicação, sendo mais atentas à mímica do que à audição. A Sociobiologia, criada por Edward Osborne Wilson, estabeleceu que os seres vivos (não apenas humanos), herdam e legam uma espécie de educação intra-celular, repassando a suas gerações os conhecimentos adquiridos geneticamente e mantidos ao longo da vida, estabelecendo hábitos característicos, assim como suas próprias características físicas. Tais características tendem a conservar, em maior ou menor intensidade, as mesmas que foram herdadas, nos campos biotípico (fenótipo e genótipo, tendência a doenças hereditárias, resistência e fraquezas, potencialidades e limitações, etc.), racional (repetição de hábitos, sotaques, cestres, memória, etc.) e emocional (desejos, temores, aversão, indiferença, etc.).
De todas essas diferentes idéias, interindependentes e autônomas, pode-se depreender facilmente a existência de uma verdade comum: o Homem não é só um. É três em um.
Meu desejo, desde que comecei a entender essas coisas (antes mesmo de ler a respeito delas), sempre foi encontrar um equilíbrio, de forma a potencializar as três características que fazem de mim um ser completo, de modo a ser mais produtivo, lúcido e feliz.
De certa fora, tenho conseguido, e espero poder juntar pessoas para que possam formar uma ideia unificada e sistemática a respeito, para que possamos nos integrar e melhorar nosso Ser Integral.